quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Adoção por casais homossexuais

Portugal tornou-se, em 2010, no oitavo país do mundo a aprovar o acesso ao casamento civil por parte de casais homossexuais. O Casamento Civil é um contrato jurídico que assegura, ao casal, um conjunto amplo e específico de direitos e deveres. Se historicamente se encontra ligado à tradição religiosa, com a laicização do Estado e das suas instituições, a separação do conceito, em relação à visão eclesiástica, tornou-se evidente, acompanhando, maxime, o aparecimento de novas noções de família que as sociedades contemporâneas apresentam. “O casamento enquanto instituição foi criado em condições históricas concretas, em obediência a valores concretos, e que variam de sociedade para sociedade. Há sociedades onde permitem o casamento poligâmico, outras permitem o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e o que se vê é uma instituição historicamente relativizada”1. 

A adopção surge, assim, no campo do direito civil, na actualidade, aberta a todos os cidadãos (mesmo famílias monoparentais), excluindo casais homossexuais. A norma do artigo 3.º, n.º 1, da Lei 9/2010, de 31 de Maio (que permite o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo), dispõe: “As alterações introduzidas pela presente lei não implicam a admissibilidade legal da adopção, em qualquer das suas modalidades, por pessoas casadas com cônjuge do mesmo sexo”. A positividade desta discriminação é amplamente discutível, quanto mais não seja pela existência factual de famílias em tudo desviadas do conceito tradicional, mas que não apresentam deficiências aparentes na capacidade afectiva ou educacional para adoptar um filho. O processo de adopção em Portugal é, de per si, e por defeito, bastante moroso e criterioso, quanto mais não seja pela sensibilidade da questão em termos sociais. Antes de rotular os sexos dos que prestarão cuidados ao adoptado, importa perceber o seio, dimensão e contextos reais das pessoas envolvidas, por forma a determinar correctamente a existência (ou não) das condições físicas, psicológicas e logísticas fundamentais para recepção de um novo elemento na família. Até que ponto é que a criança será amada, educada e terá acesso a um crescimento saudável? Estarão os “pais” prontos a aceitar uma nova realidade? E a criança, conseguirá suportar a alteração de seio familiar? Conseguirá adaptar os valores já apreendidos, na primeira socialização, com os que são fundamentais para os “novos” pais? Antes mesmo da discussão quanto à fundamentalidade dos papéis, deverá o legislador, como ser social, crescido e educado, dar primazia à análise de questões tão mais importantes para o livre desenvolvimento do ser humano como aquelas que se relacionam com o campo dos afectos em detrimento das noções clássicas de pai e mãe. A legalização da adopção monoparental é um claro sinal disso, para além da toma de consciência por parte da sociedade, como supracitado, nos novos conceitos de família e a sua preparação para a adopção. 

A questão da institucionalização das crianças embate directamente na polémica da ampliação e da facilitação do regime de adopção. Estão amplamente documentadas as consequências nefastas dos processos de crescimento e socialização no seio de instituições sociais, completamente disfuncionais em matérias de transmissão de valores, conhecimentos, inquinando processos básicos de aprendizagem, resultando na formação de adultos com clara propensão para a delinquência ou desenvolvimento de traumas relacionais. Que realidades sociais estará a sociedade pronta a proteger? Os conceitos de família, de lar, ou a capacidade de formarmos adultos e sociedades saudáveis? Entre as consequências negativas que a institucionalização provoca nas crianças, e as questões que poderemos colocar em debate quanto aos entes crescidos numa família cujos papéis tradicionais de “mãe” e “pai” não estejam preenchidos, parece-me claro que, entre um meio sem afecto e um seio com amor para dar, se proteja o segundo bem fundamental. 

São também questionadas, em caso concreto, matérias de protecção da criança nos seus processos de socialização secundária, já em meios de escola e de grupos semelhantes, onde o filho de dois pais ou duas mães poderá ser alvo de exclusão por parte de grupo. Debatemo-nos, neste caso, com a necessidade de preparação e trabalho no campo das instituições de ensino, educadores e dos pais. Até que ponto estará a sociedade suficientemente capaz de receber estas crianças com conceitos distintos de família? A mesma questão se coloca quanto ao enquadramento social dos filhos de pais divorciados, órfãos, ou pessoas com deficiência. A estimulação do tratamento da diferença com algo tão relativo como a própria condição de ter olhos azuis quando a maioria tem olhos castanhos é urgente. Aligeirar e trabalhar no campo essas dificuldades, sem fugir a uma realidade social, concreta, e já efectivada (vide o exemplo das famílias monoparentais). A lei faz precisamente o contrário: cria teias e apresenta preconceitos positivados, conduzindo à lógica da não aceitação. 

As pessoas são influenciadas pelo meio e é ele que as educa, portanto a modificação de paradigma deverá começar precisamente por aí. Pelo mesmo processo passaram os direitos das mulheres ou das minorias étnicas. Deverá ser a desmistificação pela clarificação da realidade o caminho correcto? Será a lei a reflectir uma emergência social ou a sociedade reclamará a protecção da diferença? O caminho é questionável, sob pena da criação de uma espécie de Lei Seca nos direitos civis. A análise do caso concreto, por processos eficazes de análise prática de cada família e das suas condições para a recepção de uma criança parece a solução eminente. A lei discriminatória, pelo tratamento desigual do igual, não é, por certo, o atalho desejado, principalmente por se tratar de uma questão sensível que alicerça, por mexer com valores, o futuro das gerações vindouras.

Texto escrito em Outubro de 2011
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1 PINTO, António Marinho, “Marinho Pinto considera que diploma sobre casamento homossexual respeita Constituição Portuguesa”, TSF, 20/Jan./2010, http://www.tsf.pt/PaginaInicial/Portugal/Interior.aspx?content_id=1474376&page=1, consult. 12/Nov./2011. 

2 comentários:

  1. Espera lá, como é que eu não sabia da existência disto???
    E que diabo são estas lágrimas a escorrerem-,e pela cara abaixo?
    (Tanto orgulho, caraças. Tanto!)





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